terça-feira, dezembro 25, 2007

Não ouse me olhar assim. De todo o meu sentimento você não sabe um caco.
Abra este livro, roube suas palavras e ainda assim ele gritará em brancas sílabas.
Ai de mim se me pegarem em gestos puros e livres. Se me atropelarem o olhar esguio. Se me flagrarem os pensamentos...
Ai de mim se eu for eu.
Não é a coragem que rege o medo, nem o medo que rege o silêncio e nem o silêncio que rege a coragem.
O silêncio segundo o medo é defesa. O silêncio segundo a coragem é preservação. Três frágeis elementos que percorrem meus passos.
E o coração? O que diz? Ele diz: tenho coragem o suficiente para me calar e conviver com o medo.

sábado, novembro 17, 2007

Mistérios da alma

As almas quando soltas no ar deixam rastros e se fazem entrelaçar facilmente.
Ficam claras em qualquer canto e pensam pertencer ao mundo. São frágeis, mas se fortalecem quando preciso.
Força que às vezes vem de dentro, força que muitas vezes vem de outra que cruza seu caminho, a força de identificação.
O melhor que a liberdade da alma tras é a certeza de que muitas coisas existem fora do seu universo. É ver que muitas dessas coisas fazem as outras já antigas e supostamente essenciais parecerem ligeiramente bem menos relevantes.
A liberdade da alma te faz se sentir entregue ao mundo, aos seus encantos, às suas surpresas, às suas dificuldades. Às vezes ela se quebra e você quer voltar pra dentro, rápido, dane-se todo o resto. E quando percebe que isso é apenas um ruidozinho na imensidão do mundo, que nem eco faz, você abre os olhos e vê que não faz diferença se apavorar. Porque, assim como a alma é livre, os acasos também o são. E então, a única coisa que tem a fazer é esperar a calmaria para desmisturar as liberdades. Mas isso sempre se repete, o desespero não é condicionável, muito menos controlável, ele também é livre.

27/09/07
(Salzburg - Áustria)

Paradoxo fotográfico

Fotografar... fotografar... fotografar... todo o novo, todo o belo, tudo no mundo descoberto...
Não! Preciso buscar as imagens que saem da minha alma, mais do que as que estão na minha frente.
Não quero viver das fotos, mas do real momento que transcorre a cada segundo de um sonho grande e velho.
Ele parece menor por se tornar realidade, mas não posso deixá-lo perder o encanto.

20/09/07
(Siena - Itália)
Quero dedicar este pôr-do-sol
aos seus olhos calmos,
à sua boca macia,
à sua pele suave,
ao seu cheiro intenso,
à sua alma saudosa.

Este pôr-do-sol que é só nosso,
de clima estrangeiro,
como o que sentimos vez ou outra.

À beira de um rio que cheira a outono,
guardo-o quente no meu peito
e entrego a você agora
esta eterna sensação
de intensidade e beleza,
dourada, livre, imensa,
que sopra forte e leve
como o nosso amor.

20/09/07
(Siena - Itália)
Florença...
parece ser feita de mármore rosa ao pôr-do-sol.
O vento europeu bateu nos meus olhos que esperam pelo pôr-do-sol para o último clique.
Bateu nas fileiras de postes de luz às margens do Arno. Bateu num só sopro nas pombas que saltam da ponte para o ar num único e suave movimento. Bateu contra o fluxo do rio e seus remadores. Bateu nas janelas e nas cortinas a lamberem o ar. Bateu nos sons de sinos de bicicletas que voltam pra casa.
Bateu na minha alma, sentada entre a fileira de postes de luz, e a arrastou pela imensidão do vale.

19/09/07
(às margens do Arno - Pisa - Itália)

Na estação

A voz metálica avisa a próxima partida. Os bancos de madeira (parecem de igreja) rangem ao ficarem mais vazios. A luz continua pouca apesar de o sol se elevar mais. Uma fileira de pernas cruzadas sobre o ladrilho, por vezes cai uma ou outra com o sono. De longe chega o emaranhado de sons: línguas diversas de homens, mulheres e crianças, xícaras e colheres se ajeitando sobre os pires ainda molhados... entram ecoando direto ao teto alto, pintado de folhas, mulheres e anjos com uma faixa "AVGVSTA PERUSIA".
E o trem chega cortando esta nuvem de sons e gente, com o apito dos freios e o clássico "turum" das rodas nos trilhos. Ele bufa! Mas ainda não é o meu.

16/09/07
(estação ferroviária - Perugia - Itália)

sábado, novembro 03, 2007

Eu?
Quiçá uma alma perdida no mundo dos sonhos dispersos.

sábado, abril 07, 2007

Sabe aqueles momentos que você se olha e percebe que falta alguma coisa?
Pois é, falta até o terminar deste fragmento.

Noite Severina

Ai, não pude resistir... tomei emprestado esta maravilha... mais delirante que ler é ouvir... na voz do Ney então...
Eu recomendo, para qualquer pessoa que queira sentir o peito se encher com sons e, ouso dizer, cheiros desta bela noite.

Corre calma Severina noite
De leve no lençol que te tateia a pele fina
Pedras sonhando pó na mina
Pedras sonhando com britadeiras
Cada ser tem sonhos a sua maneira
Cada ser tem sonhos a sua maneira
Corre alta Severina noite
No ronco da cidade uma janela assim acesa
Eu respiro seu desejo
Chama no pavio da lamparina
Sombra no lençol que te tateia a pele fina
Sombra no lençol que te tateia a pele fina
Ali tão sempre perto e não me vendo
Ali sinto tua alma flutuar do corpo
Teus olhos se movendo sem se abrir
Ali tão certo e justo e só te sendo
Absinto-me de ti, mas sempre vivo
Meus olhos te movendo sem te abrir
Corre solta suassuna noite
Tocaia de animal que acompanha sua presa
Escravo da sua beleza
Daqui a pouco o dia vai querer raiar

Composição: (Lula Queiroga / Pedro Luís)

sexta-feira, março 16, 2007

Tão logo pude, fiz todas as malas. Todas prontas, dos fechos ao cetim pérola. Pus-me em posição de partida, as malas alinhadas aos meus pés, esperando o primeiro passo.

Não, não, estes sapatos escorregam. Fossem eles de borracha eu já estaria pra lá da porta. Mas plástico, não sei não... basta um espelhozinho d’água pra me jogar direto ao chão.

Muito bem, os tênis. Ultrapassam até pedregulho. Ah, mas a lama... vai moldar todo o labirinto emborrachado. A cada passo fica o rastro. Não, não, nem pensar em deixar rastros.

Vejamos... chinelos... pantufas... Fecho quebrado. Dois pés descalços no chão e um fecho quebrado. Quem em sã consciência pode partir assim? Sujeito a frio e calor. Ai de mim se o asfalto derrete.

Muito bem, enfileiremo-nos novamente, com duas unhas encravadas e uma mala manca. Esperemos a próxima oportunidade. Sempre com paciência e destreza.

12/02/07
Você estava na porta
e eu hesitei
Você já estava na porta
e ainda assim eu hesitei
Hesitei em nossas brigas
Hesitei em nossas partidas
Hesitei em nossos olhos
Hesitei em nossos toques
no sim e no não

Só não hesitei em morrer.

terça-feira, janeiro 02, 2007



Ah Kiko, meu gatoso...
Você foi embora... Agora, com quem vou disputar espaço na cama ou no sofá? Queria ainda ter câimbra na perna cruzada pra não atrapalhar seu sono, mesmo depois de 14h do mesmo. Queria ainda brigar por causa de souvenirs jogados no chão por patinhas aflitas em sair do quarto. Miar? Não, dá muito trabalho...

Pra quem falarei "pára" ao ouvir o pedido constante e no mesmo tom (agudo, com pausas de 3 em 3 segundos) ao som do apito do microondas? Quem vai ser meu cúmplice? Quem vai me olhar nos olhos e se aninhar ao meu lado quando eu chorar? Em que pelo vou afogar meus dedos e fazer evaporar minha dor?

A longa convivência sempre nos faz acreditar em ter o direito eterno da companhia. A eternidade se quebra quando menos se espera. Mas fica aqui dentro, isso sim eternamente, a meiguice do seu olhar úmido de âmbar, envolto pelo cinza mais macio que já conheci.

(para o meu amor, que foi embora e me levou um pedaço do coração)
(fotos by Su)

O Espírito de Natal

O que faz o Espírito Natalino? Sabe a chuva? Que faz crescer a vida, baixar a poluição do ar? Que inunda as casas, mata gente na enchente? Pois é, são iguais, depende da sua situação.

Como podemos ser tão sujeitos ao meio? E a força interior, onde fica? Fica lá fora, principalmente quando depende da nostalgia, do passado. A força interior escorre por lágrimas abaixo... e se não escorrer, guarde no bolso, uma hora ela some...

Ah! É mesmo, o Espírito Natalino. Bom, ele até tenta exixtir conforme rege a lenda. Mas acho que é apenas um nome de época para uma "intensa emoção familiar acumulada".

(26/12/06)
Olho pros lados... onde vocês estão? Por que a liga se partiu? Por que o tempo é gelo no asfalto do meio-dia? Onde estão as minhas coisas? O cheiro da árvore, da pipoca doce, da chocolatada com maisena, do alecrim no forno, da poeira das caixas? Onde estão o piso frio da varanda, o rabo do gato entre minhas pernas, a gritaria saudável na mesa, os pacotes debaixo da cama, o abraço primeiro?

Por que vocês foram embora e levaram tudo? Por que eu deixei escapar? Por que às vezes odeio a evolução? Por que algumas mudanças não vão pra puta que pariu?


(26/12/06)